O nosso Clube é muitas vezes alvo de ataques com
episódios ocorridos há várias décadas e que, de tantas vezes repetidos, já passam por verdadeiros. No sentido de informar os benfiquistas do que realmente se passou, e para que se possam defender desses ataques, referiremos vários destes casos, sugerindo a todos que imprimam os textos e os guardem e distribuam por outros benfiquistas. A bem da verdadeira história do Sport Lisboa e Benfica que muitos pretendem deturpar.
1º CASO -INOCÊNCIO CALABOTE
OU UMA MENTIRA MUITAS VEZES REPETIDA…
Onde se recorda a célebre arbitragem do Benfica-Cuf (7-1) da última jornada do
campeonato de 1958/59 (ganho pelo FC Porto), jogo que, diz-se agora, o árbitro
terá prolongado por dez minutos, à espera de um golo que daria o título ao
Benfica. Nem o Benfica ganhou esse campeonato, nem o jogo demorou tanto: o
árbitro deu não mais de três a quatro minutos de descontos, plenamente
justificados pelas constantes perdas de tempo dos jogadores adversários. Basta
reler os jornais da época…
Desde os anos oitenta, quando se acentuou o domínio do FC Porto sobre a arbitragem
nacional, culminado, duas décadas depois, com a tardia “Operação Apito Dourado”, passou a ouvir falar-se muito no antigo árbitro Inocêncio Calabote e nos favores que teria feito ao Benfica num célebre jogo com a Cuf na última jornada do Campeonato Nacional de 1958/59 (22 de Março), terminado com o resultado de 7-1 e que teria tido, no dizer de quantos o recordam agora, dez minutos a mais, dados pelo árbitro à espera que o Benfica marcasse mais um golo que lhe daria o título. Nada mais falso.
Quando se chegou à 26ª e última jornada deste campeonato, marcado por inúmeros
casos (ver texto à parte), FC Porto e Benfica estavam igualados em pontos e na primeira
fórmula de desempate, já que haviam empatado os dois jogos entre ambos. O FC Porto tinha então uma vantagem de quatro golos na diferença total entre tentos marcados e sofridos, pelo que tudo se iria decidir na última jornada, nos jogos Torreense-FC Porto e Benfica-Cuf.
Apesar de uma e outra destas equipas estarem em perigo de descer de divisão (o Torreense desceu mesmo e a Cuf acabou por ter que disputar o então chamado Torneio de Competência com os melhores classificados da II Divisão), é muito natural que tanto os jogadores da Cuf como os do Torreense tenham tido prémios especiais (e secretos) para dificultarem a vida aos dois candidatos ao título.
Rádios acesos e…
seis minutos de atraso
Sem televisão a transmitir, era através da rádio que, num e noutro campo, os adeptos
iam seguindo a marcha dos marcadores. E a grande questão, que dá origem a todos os
exageros que hoje se propalam, residiu no facto de o jogo do Benfica ter começado seis
minutos mais tarde que as tradicionais 15 horas, então o horário de início de todos os jogos. A nossa equipa demorou a entrada em campo o mais que pode, de forma a poder vir a beneficiar do conhecimento do resultado em Torres Vedras, facto que levou a que o clube fosse então (justamente) multado. Esses seis minutos (mais uns “pozinhos” no segundo tempo) juntos com os três a quatro minutos que o árbitro prolongou o jogo para compensar percas de tempo, levou a que o jogo da Luz tivesse terminado apenas mais de dez minutos depois do de Torres Vedras, tempo durante o qual a equipa do FC Porto esperou em pleno campo, para depois festejar a conquista do título. E foi essa longa espera, superior a dez minutos, que deu origem à lenda-Calabote, que tão aproveitada (e distorcida) tem sido ao longo dos tempos.
O Benfica não foi em nada beneficiado com essa arbitragem. E o árbitro até teria tido todas as possibilidades de «dar» o título ao Benfica, já que o nosso clube marcou o seu último golo aos 38 minutos da segunda parte e, quando o jogo de Torres Vedras terminou, o Benfica ainda teve cerca de dez minutos (seis regulamentares e mais três a quatro de “descontos”) para marcar aquele que lhe daria o título.
O que disseram os jornais
Folheando os três jornais desportivos da época, nada faria supor que, várias décadas
depois, o jogo fosse tão falado. Vejamos o que então se escreveu sobre o tempo de desconto, não sem que, antes, se recorde que, na altura, a missão dos árbitros era bem mais difícil, pois não havia cartões amarelos, o guarda-redes podia passear com a bola na grande área, batendo-a no chão as vezes que entendesse e a demora nos lançamentos da linha lateral não era castigada com lançamento a favor da equipa adversária.
Mas vejamos o que disseram os jornais. Alfredo Farinha, em “A Bola”, foi bem claro:
«O recurso sistemático aos pontapés para fora do rectângulo, a demora ostensiva na marcação dos livres e lançamentos de bola lateral, as simulações de lesionamentos, o uso e abuso, enfim, de todos esses vulgarizados meios de “queimar tempo” (…) dificilmente encontram, no caso de ontem, outra justificação se não esta: a Cuf não jogou, exclusivamente, para si mas também para uma outra equipa (a do FC Porto) que estava à margem da luta travada na Luz.» Mais adiante, na apreciação ao trabalho do árbitro, acrescenta Alfredo Farinha: «No que se refere ao prolongamento de quatro minutos, cremos ter deixado, ao longo da crónica, justificação bastante para o critério do sr. Inocêncio Calabote.»
No “Mundo Desportivo”, Guilhermino Rodrigues não comungava da mesma opinião, mas até considerou menor o tempo de desconto e acabou por o justificar: «Exagerado o período de três minutos que concedeu além do tempo regulamentar para contrabalançar os momentos gastos em propositada demora pelos cufistas.»
No “Record”, em crónica não assinada (um antigo hábito do jornal), uma outra opinião:
«Deu quatro minutos (…) pela demora propositada dos jogadores da Cuf – alguns deles foram advertidos – na reposição da bola em jogo. Não compreendemos porque não usou do mesmo critério no final do primeiro tempo, dado que aquelas demoras se começaram a registar desde início.»
Esclarecedor…
Dois “penalties” indiscutíveis
Um só duvidoso
A acrescentar à fantasia dos dez minutos de descontos, há também quem fale nas três
grandes penalidades que o árbitro assinalou a favor do Benfica. Os jornais foram unânimes em considerar indiscutíveis o primeiro e o terceiro e apenas o segundo deixou dúvidas.
“A Bola”: «Quanto aos “penalties”, não temos dúvida de que o primeiro e o terceiro
existiram de facto; dúvidas temos, porém, quanto ao segundo, pois Cavém, ao que se nos afigurou, não foi derrubado por um adversário, antes foi ele próprio que se descontrolou e desequilibrou.»
“Record”: «Regular comportamento no julgamento das faltas. Só não concordamos com
a segunda grande penalidade. A falta existiu, na verdade, mas só por ter sido executada fora de tempo merecia livre indirecto.»
“Mundo Desportivo” (a propósito do segundo penalty): «Cavém obstruído quando
perseguia a bola dentro da área. A falta só exigia livre indirecto.”
Já agora, recorde-se também a declaração de Cândido Tavares, treinador da Cuf, ao
“Mundo Desportivo”: «O resultado justifica-se. Mas o árbitro foi demasiado longe na marcação das grandes penalidades. Não achei justo que assim sucedesse. Pena foi que não adoptasse agora no final o mesmo critério, não assinalando um autêntico “penalty” quando Durand derrubou Cavém. Era quanto a mim mais razoável.”
Elucidativo! Se o árbitro tivesse desejado “oferecer” o título ao Benfica teria tido flagrante oportunidade…
Sem escândalo
O que aqui se escreveu poderá ser facilmente consultado nos jornais da época. Não
houve qualquer escândalo com a arbitragem de Inocêncio Calabote nesse Benfica-Cuf.
O chamado caso-Calabote é uma grande mentira! E o árbitro não foi castigado (nem podia sê-lo!) por causa de ter dado os tais quatro minutos a mais mas pelo facto de ter omitido no relatório que o jogo havia começado atrasado. Segundo a Nota de Culpa e o Relatório dos inquiridores da Comissão Central de Árbitros, publicados na Revista do “Expresso” de 22 de Novembro de 1997, esse facto implicaria um castigo de suspensão por seis meses. Mas o árbitro havia sido anteriormente suspenso devido a um decisivo Cuf-Belenenses em juniores, da época anterior, e dessa acumulação de castigos resultou a sua irradiação da arbitragem. Segundo a Nota de Culpa, o árbitro afirmou que, pelo seu relógio, o jogo começou às 15 horas (embora tivesse acrescentado que ignorava se o relógio se encontrava “certo pela hora oficial”) e teve os regulamentares 10 minutos de intervalo, sendo o jogo prolongado por dois minutos “pela demora propositada, na reposição da bola em jogo, por parte dos jogadores da Cuf”.
Em entrevista com o árbitro, publicada nesse mesmo número da Revista do “Expresso”,
Inocêncio Calabote conta. “Em 58-59, a presidência da Comissão Central de Árbitros (…) foi parar às mãos do Belenenses, então um dos quatro grandes, na pessoa do dr. Coelho da Fonseca. O presidente anterior veio a Évora avisar-me um belo dia: ‘Você ponha-se a pau, que a Comissão que entrou vem com intenções de o irradiar’, disse-me ele, o Gameiro Pereira.
Queriam vingar-se. Sabe de quê?” E Calabote conta: “No ano anterior, precisamente, tinha-me calhado arbitrar um Cuf-Belenenses decisivo para a atribuição do título nacional de juniores. Já na segunda parte, um jogador do Belenenses chuta forte, a bola bate num poste, vai direitinha ao outro e regressa ao campo. Não marquei golo, é claro, e o Belenenses não foi campeão.
Ninguém protestou coisa nenhuma, mas, apesar disso, passados uns meses, sou suspenso por 30 dias pelo novo presidente da Comissão Central de Árbitros.” E, concluindo este caso, acrescenta o antigo árbitro: “Logo de seguida, depois do tal Benfica-Cuf, alegando má-fé minha no preenchimento do relatório do jogo – que teria começado não sei quantos minutos depois da hora, que teria tido um intervalo maior que o devido e um prolongamento excessivo também -, o dr. Coelho da Fonseca abriu-me um inquérito e não descansou enquanto não conseguiu que me fosse aplicada a pena de irradiação da arbitragem. (…)”
ARTIGOS RELACIONADOS
FC Porto marcou dois golos no fim
e Torreense acabou com nove
O outro jogo decisivo da última jornada deste campeonato de 1958/59 foi o Torreense-FC Porto. O FC Porto entrou com quatro golos de vantagem sobre o Benfica (na decisiva diferença total de golos) mas, ao intervalo, o Benfica já estava em vantagem: ganhava por 5-0 à Cuf, enquanto o FC Porto vencia em Torres Vedras por 1-0. Entretanto, na Luz, o resultado foi fixado em 7-1 quando havia sete minutos para jogar, mas em Torres Vedras, a dois minutos do fim, o FC Porto fazia 2-0 e, a vinte segundos do final, Teixeira marcou o terceiro e decisivo golo. O Benfica jogou ainda dez minutos, mas não conseguiu o golo que lhe faltava.
O Torreense, que sofrera o primeiro golo quando tinha um jogador fora de campo,
lesionado, jogou com dez jogadores, por expulsão de Manuel Carlos, desde os 20 minutos da segunda parte, e ainda viu ser expulso outro jogador a seguir ao 2-0 (por pontapear a bola para longe depois do golo), sofrendo o 3-0 quando já só tinha nove homens em campo. Casos houve, pois, no jogo Torreense-FC Porto, com a arbitragem de Francisco Guiomar a ser contestada pelos jogadores locais…
Uma época de “casos”
O FC Porto foi campeão na época do injustamente célebre caso-Inocêncio Calabote.
Uma época repleta de casos, com manifesto prejuízo para o Benfica que, ao contrário do que se afirma, não dominava as estruturas do futebol (o presidente da Federação era o cap. Maia Loureiro, sportinguista) e muito menos a arbitragem, então dirigida por Coelho da Fonseca, associado do Belenenses, então um dos quatro “grandes” e que nesse ano foi terceiro, apenas a três pontos do FC Porto e do Benfica.
A parte final do campeonato foi renhidamente disputada entre Benfica e FC Porto e os
casos “estranhos” foram então numerosos. Recordemo-los resumidamente:
- Chino, influente extremo-direito do Benfica, foi na fase decisiva da competição
castigado com cinco jogos de suspensão que mais tarde, quando estavam quase cumpridos, foram reduzidos a um!...
- o Belenenses-Benfica, da 19ª jornada (a sete do fim), foi protestado pelo Belenenses,
primeiro por lhes ter sido anulado um golo de canto directo, depois por uma questão da barreira defensiva do Benfica se ter ou não mexido antes de Matateu apontar um livre! Pois o jogo foi mandado repetir na quinta-feira anterior ao jogo decisivo frente à Cuf (última jornada) e quatro dias depois do Benfica se ter deslocado a Alvalade (penúltima jornada). A seguir ao campeonato, os clubes da I Divisão estiveram duas semanas sem jogar, à espera que terminasse a II Divisão, para disputarem a Taça de Portugal! Na repetição, Belenenses e Benfica voltaram a empatar (1-1) mas o desgaste foi enorme.
- A três jornadas do fim, o FC Porto, que estava com largo atraso do Benfica na
(decisiva) diferença de golos, recebeu o Belenenses (então com uma das melhores equipas nacionais) e ganhou por “estranhos” 7-0.
- Na penúltima jornada, o Sporting-Benfica (2-1) foi repleto de incidentes, com o Benfica a terminar com apenas nove jogadores (não havia substituições), por expulsão de Ângelo e lesão de Artur, colocado KO nas cenas de pugilato verificadas a dada altura. Depois, na mesma semana, o Benfica teve que repetir o jogo no Restelo e receber a Cuf na jornada decisiva…
rf